Alguns temas cotidianos têm gerado, com constância, bastante discussão nas redes sociais. São assuntos que ultrapassam discussões em torno de futebol ou celebridades. Entre eles, demanda por mais espaço e segurança para as pessoas que desejam utilizar bicicletas nas cidades, em vez de carros ou transporte público, e aqueles que gostam de animais de estimação e lutam para que não haja maus-tratos contra eles.
São temas que não podem passar despercebido pela mídia de massa e pelos grandes jornais, mesmo que estes últimos ainda tenham uma preocupação grande que é relatar os acontecimentos em todas as áreas e registrar os atos oficiais e anúncios do poder público.
A cobertura mais acentuada do dia-a-dia dos bairros e comunidades, inclusive, já ganhou um nome: jornalismo hiperlocal. É apontado como uma das formas das empresas de mídia conseguirem novos leitores e fontes de receitas. Mas esse tipo de cobertura precisa ganhar seriedade e espaço.
O que foi feito – O jornal O Estado de S. Paulo publicou uma reportagem, no dia 8 de novembro, informando sobre a realização de uma feira de doação de cães e gatos – e inclusive de cavalos. A excentricidade – a doação de equinos – ganhou o título para chamar a atenção. De qualquer forma, o espaço oferecido ao tema e à ação merece parabéns.
A reportagem traz muitas informações e dá atenção correta para um tipo de assunto que a mídia costuma ignorar. No meio de texto, no entanto, deixou algumas lacunas. O governo municipal, responsável pela ação, informou que o percentual de adoção é pequeno e que as pessoas interessadas em adotar precisam pagar duas taxas que somam mais de R$ 20. O jornal não mostrou o número efetivo de adoções de eventos anteriores nem questionou a razão de pagar para uma ação que, em primeiro momento, parece contribuir com o poder público e com a sociedade em geral.
O que faltou – Após a realização do evento, o jornal voltou ao assunto, numa pequena nota (ver página do jornal em destaque), informando que 32 animais foram adotados – entre 500 disponíveis, 80% deles cachorros. Algumas conclusões e sugestões:
– A imprensa pode dar tratamento mais amplo e diferente aos temas, não os tratando como assuntos tolos e sem importância. O tamanho do debate nas redes sociais em torno de adoção e maus-tratos de animais evidenciam que a população se preocupa com o assunto.
– Os jornais, da mesma forma, precisam encarar o tema com reportagens sérias, abordando as múltiplas facetas (econômicas e sociais) e fazendo perguntas importantes. Quanto uma prefeitura de grande porte como São Paulo gasta com despesas operacionais para tratar de animais abandonados? Onde ficam as instalações e qual a infraestrutura disponível para cuidar de cães e gatos coletados nas ruas? Tais informações podem ajudar os cidadãos a mudar de opinião e postura e tomar decisões sobre adotar ou não.
– Se há ação de um órgão público, a imprensa precisa tratar a notícia como uma reportagem que avalia a eficiência de uma política pública, que consome recursos dos impostos e precisa entregar resultados ao cidadão. Quais indicadores ajudam a demonstrar o resultado da ação da prefeitura na área de zoonose? Qual cidade oferece um atendimento considerado modelo nesse tema? Como funciona? É possível copiar?
– Textos – grandes, pequenos, minúsculos ou espremidos – são a melhor forma de anunciar a campanha ou relatar o resultado dela? Que tal oferecer uma página inteira ao leitor com várias fotos-legendas que mostrem cachorros e gatos à espera de adoção ou famílias indo para casa com um animal recém-adotado?
Prioridade do leitor – A sugestão não é mostrar fotografias de crianças contentes e finais felizes, mas somente tratar os temas com a importância e com a dimensão que eles têm, tanto para o funcionamento da cidade e da prefeitura quanto para o cotidiano das pessoas comuns.
Se o objetivo de cobrir tais assuntos é prestar serviço à sociedade, o resultado talvez tenha sido abaixo do desejado. Basta perguntar aos leitores o que eles preferem: uma página com a opinião quase incompreensível de um ex-presidente do Banco Central sobre a economia ou a cobertura ousada e diferente de um serviço público com impacto direto no cotidiano das pessoas? Certamente o jornal tem espaço para todos os gostos e perfis de leitores.